Discriminação combatida com fé, amor e caridade
- Ingrid Garcez
- 8 de jan. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 25 de fev. de 2020
Discriminação: ato de distinguir ou diferenciar; colocar a parte ou separar. Esta ação pode acontecer em vários contextos (por questões religiosas, de gênero, raciais, orientação sexual, situação econômica ou qualquer outro aspecto social), tornando-se um fenômeno sociológico. No âmbito religioso, implica na rejeição com pessoas e grupos que possuem diferentes crenças.
Reconhecida como a única religião brasileira, a Umbanda foi fundada pelo médium Zélio Fernandino de Moraes, no dia 15 de novembro de 1908, em Niterói - Rio de Janeiro. A mesma possui o lema “Fé, Amor e Caridade” e sincretiza o catolicismo, espiritismo kardecista e religiosidades africanas e indígenas. Ainda hoje, é um dos principais alvos de intolerância religiosa no Brasil.
De acordo com a Declaração Universal de Direitos Humanos, em seu artigo 7, “todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”. No entanto, este problema permanece presente na vida das pessoas que frequentam terreiros.
Com uma história de obstáculos e desconfianças para se consolidar como a primeira religião criada no Brasil, a prática umbandista já sofreu acusações de curandeirismo e charlatanismo. Tais represálias ficaram no passado, porém, atualmente o preconceito aparece em novas formas, como por exemplo o discurso de ódio disseminado contra a crença. “Acho muito triste ainda hoje as pessoas discriminarem a Umbanda por falta de informação, as pessoas preferem agredir ao invés de conhecer”, afirma a Mãe Idamara D’Oxóssi. A mãe pequena complementa dizendo, “A maioria dos terreiros não tem identificação na porta por receio de vandalismo”.
Um dos casos mais recentes ocorreu em maio deste ano, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. O terreiro Caboclo Pena Branca, que pertence ao sacerdote Sérgio Malafaia D’Ogum, foi depredado e teve alguns compartimentos incendiados. Os vândalos também quebraram peças e assentamentos sagrados. Nas paredes do centro, foram feitas pichações com insultos. Em uma delas continha a frase “Fora macumbeiros, aqui não é lugar de macumba”.
Já o médium Sérgio Gama Salum, do Templo Escola Vida e Luz, comenta “Agridem verbalmente e fisicamente os seguidores e seus templos. É frequente estes tipos de ataque, inclusive, 4 anos atrás nosso templo foi invadido e teve boa parte das coisas incendiadas ”.
Segundo especialistas que cederam entrevista ao portal de notícias BBC Brasil, há duas razões da hostilidade contra a Umbanda. Por um lado o racismo e a discriminação que remontam à escravidão e que rotulam tal religião pelo simples fato de ter uma matriz africana, e, pelo outro lado, a ação de movimentos neopentecostais que nos últimos anos teriam se valido de mitos para aumentar a perseguição a umbandistas. “Por tudo que já vi existe muito preconceito criado por julgamento do desconhecido e por atitudes de pessoas que se julgam umbandistas, mas que nada sabem”, explica a Mãe Alexandra D’Oxum.
“A principal discriminação começa quando você é consultado pelo senso do IBGE e te perguntam ‘Qual a sua religião?’, e as opções são: católicos, evangélicos, espíritas e outros”, constata o Pai Alexandre D’Ogum. O pai de santo lembra também que o Estado brasileiro é laico, ou seja, não existe uma religião oficial e por isso não deveria haver intolerância.
Para alguns umbandistas, a única forma da Umbanda passar a ser mais aceita seria a partir da sua desmistificação, processo que já vem sendo feito pelos sacerdotes youtubers há alguns anos, por meio das mídias sociais. Já para outros adeptos da religião, o medo de assumir sua religiosidade deveria ser deixado de lado. “Pois aí verão que somos pessoas normais, que trabalham, riem, choram e ajudam”, frisa Mãe Idamara D’Oxóssi.
Os praticantes da religião afro-brasileira manifestam que desejam sair nas ruas e não serem julgados. Dizem que querem poder desenvolver sua fé e fazer caridade ao próximo, sem medo. “Umbanda é respeito. É uma formação de família, onde você respeita e é respeitado, onde você tem deveres e direitos. É você não rotular o outro. Umbanda é vida e energia, é tudo que você possa ter de respeito à natureza. Umbandista respeita, zela e cuida pela natureza. Umbandista zela e cuida pelo próximo sem discriminá-lo”, fala o Pai Alexandre D’Ogum.
Como meio de manifestação, foi criado o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, que é comemorado em 21 de janeiro. A data foi oficializada em 2007 através da Lei n°. 11.635, de 27 de dezembro, e sua escolha foi feita em homenagem à Gildásia dos Santos e Santos (Mãe de Santo Gilda), do terreiro Axé Abassá de Ogum, localizado em Salvador.
Esse foi o dia em que a líder religiosa, vítima do crime de intolerância, faleceu com um infarto no ano 2000. Isso aconteceu na sequência de agressões físicas e verbais, bem como de ataques à sua casa e ao seu terreiro quando Mãe Gilda foi acusada de charlatanismo por integrantes de outro segmento religioso.

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